Na Grécia antiga, a palavra Kalos era usada para descrever o belo, podendo ser aplicada a um ser humano, animal ou objeto. A ênfase não recaía sobre o sexo do parceiro, mas na bela forma que causava desejo. Os gregos não reconheciam dois tipos de desejo, Eros não tinha gênero e o próprio significante homossexualidade, em oposição à heterossexualidade não existia no vocabulário grego. Isso não quer dizer que não havia relações homossexuais na Grécia. Estas relações tinham uma característica muito específica: homens mais velhos em atenção a meninos mais novos. Eram referenciadas como exemplos de amor romântico e afetivo, mas as características mais marcantes dizem respeito à interação afetiva interclassista (entre classes superiores, por exemplo, a dos filósofos, e classes inferiores, como estrangeiros e meninos em formação). Estas conclusões podem ser tiradas olhando textos, poesias, peças de teatro, vasos, e outras obras artísticas gregas. Nessa época, a homossexualidade não era vista como algo inadequado. Ela passou a ser problema com a chegada do cristianismo, primeira vez em que foi tratada como doença.
Com a entrada do cristianismo em cena, o contraste entre os gregos e as demais culturas no que tange a sexualidade passa a ficar mais evidente uma vez que o amor, o sexo e a procriação passam a ocupar o mesmo espaço: o casamento. O sexo-por-prazer transforma-se em sexo-para-procriação. Se os deuses se reproduziam através da partenogênese, gerados por um único deus (Atenas é concebida apenas por Zeus), Jesus Cristo é gerado sem qualquer ato sexual. Nasce a crença da anatomia masculina e feminina criadas por Deus para a procriação gerando completude. Essa crença é disseminada pelo reconhecimento imperial do cristianismo, adquirindo valor de lei, mesmo a homossexualidade ainda existindo nos elevados subescalões sociais, políticos e religiosos.
A coexistência entre o cristianismo e o paganismo ainda ocorria. Havia aqueles que seguiam os preceitos do cristianismo e aqueles que não seguiam. Para a obtenção de poder, a igreja une-se ao estado e passa a perseguir todos aqueles que não seguem os preceitos cristãos. Para isso, associam a elevação espirutual com a morte do desejo, pregando a virgindade dos jovens. Com a Europa sendo devastada por pestes e guerras, a população diminui e a procriação passa a ser um interesse do estado. O casamento surge como aquilo que anula o pecado do sexo, sendo o sexo que não visa a procriação, herége. A igreja passa a culpar os pagãos (aqueles que não seguem os preceitos cristãos) pelos males da época e os homossexuais foram brutalmente perseguidos.
Com o apogeu do pensamento cristão no mundo, ciência, política e religião se uniram para classificar a homossexualidade como perversão. Nesse cenário, enquanto alguns discutiam como criminalizar a homossexualidade, outros tentavam descobrir sua causa para erradicá-la na fonte. Como consequência, a homossexualidade, que era considerada uma expressão do desejo na antiguidade, passa a ser encarada como vício satânico pelo cristianismo, para em seguida ser classificada como doença pela psiquiatria do século XIX. No início do século, a Igreja e o Estado tratavam o assunto tentando estabelecer o limite entre o pecado e a pureza, o lícito e o ilícito. Foi apenas na metade do século que a ciência resolveu tomar para si o campo da sexualidade, discernindo o normal do patológico.
A psiquiatria passou a classificar desde atos amorais até atos criminosos, à partir de uma perspectiva científica, criando um vocabulário próprio. A terminologia variou bastante, bem como as teorias que foram criadas para o tratamento e a cura dos ditos “transtornos”. Utilizavam-se desde a hipnose e a castração até terapias aversivas e reparativas. O objetivo era anular o desejo e fazer com que o sujeito se conformasse às normas morais vigentes naquela época.
Com a ascensão do Nazismo na Alemanha, homossexuais foram identificados nos campos de concentração através de um triângulo rosa, tornando-se alvo dos guardas e outros prisioneiros. No período pós-guerra, a Organização Mundial da Saúde em 1948 incluiu a homossexualidade no CID, sob a categoria Personalidade Patológica, chamando-a de desvio sexual. Em 1952, a Associação Psiquiátrica Americana publicou o primeiro Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, onde a homossexualidade foi classificada como desvio sexual, colocada ao lado da pedofilia e sadismo, sob a categoria de Perturbações Sociopáticas da Personalidade.
Em 1965, como se não bastasse, a Organização Mundial da Saúde, em sua oitava edição do CID, incluiu na categoria Desvios e Transtornos Sexuais a subcategoria Homossexualismo. O sufixo ‘ismo’ corroborou com o status de doença que perdurou até a década de 90, quando foi trocado pelo sufixo “idade”, caracterizando semanticamente um substantivo abstrato. Não é a toa que nunca se ouviu a palavra heterossexualismo. No entanto, foi apenas na segunda metade do século que houveram mudanças significativas na despatologização da homossexualidade.
No dia 26 de junho de 1969, como era de costume, policiais entraram a paisana no bar Stonewall, famoso bar LGBT em Nova Iorque e prenderam cerca de 200 fregueses. Ao saírem do bar, os policiais encontram um grupo de 400 manifestantes com pedras e paus exigindo o fim da perseguição a gays e lésbicas na cidade. Os policiais se refugiaram dentro do bar.
Em 1970 e novamente em 1971, ativistas invadiram as reuniões da APA e exigiram que a homossexualidade não fosse tratada como transtorno psiquiátrico. Em resposta, após um ano de revisões, em 1972, a homossexualidade é retirada do DSM, influenciando outras grandes organizações da saúde.
Em 1981 o Conselho da Europa emitiu uma resolução que instituía direitos iguais e proibia os países membros da Comunidade Européia a criminalizarem a homossexualidade. Em 1990, surge o movimento Queer, posicionamento político radical que rompe com o discurso heteronormativo até então assumido pela sociedade americana, ao questionar o binômio de identidade, e principalmente desafiar o significado pejorativo da palavra Queer, que significava estranho, afeminado, etc, o que fez com que o sentido da palavra fosse alterado. Por fim, a Organização Mundial da Saúde reconsiderou seu posicionamento e deixou de considerar a homossexualidade como doença, e publicou o CID-10 sem a categoria antes denominada Homossexualismo.
Atualmente, no Brasil, percebe-se uma tentativa de regressão dos direitos homossexuais com a sugestão de que possa existir uma cura para a homossexualidade. Além de cientificamente pouco embasada, existem inúmeros estudos que sugerem que a tentativa de uma cura traz mais riscos à saúde do paciente do que benefícios. Neste sentido, é importante reforçar a ideia de que não existe cura para algo que não é doença. A sexualidade é um aspecto natural do ser humano, que deve ser expressa livremente, sem julgamentos. A contribuição da Psicologia é no sentido de lutar para um mundo mais receptivo e aberto às diferenças, não no sentido de patologizar diferenças individuais.